PELA DEFESA DA CASA DO DOURO, CONTRA A SUA LIQUIDAÇÃO

Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República
Pela defesa da Casa do Douro, contra a sua liquidação
Quarta 30 de Junho de 2010

O PCP levou hoje á tribuna da Assembleia da República a situação da Casa do Douro. Agostinho Lopes afirmou que o PCP tudo fará para que, a Casa dos 40 mil pequenos vitivinicultores, a Casa do Douro, resista. A Região Demarcada do Douro, Património da Humanidade, precisa daquela Casa, firme, viva e ao serviço do Douro e dos durienses!

Declaração política trouxe de novo à colação o problema da Casa do Douro

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
No fim da semana passada percebemos por que razão não quis o Ministro da Agricultura dar a conhecer à Comissão Parlamentar, na audição de 18 de Maio, a sua «proposta» negocial para a Casa do Douro. É porque o próprio Ministro tinha vergonha do que tinha proposto e tinha consciência de que o tipo de «proposta» feita pelo Governo tem habitualmente um nome: chantagem!
Mas percebemos agora melhor a desfaçatez, ou a ignorância, com que naquela audiência, quando questionado sobre o drama de 79 trabalhadores da Casa do Douro estarem sem receber salários há seis meses, respondeu que o Governo nada tinha a ver com o problema!…
A «proposta» do Governo pode pretender continuar a encenar essa mistificação, mas não terá sucesso! A mentira nunca é um bom argumento político. O Governo teve — e tem — muito a ver! O Governo tem tudo a ver com a Casa do Douro!
As «propostas» inicial e final do Governo feitas à Casa do Douro, insisto, só podem ser classificadas como «chantagem» sobre uma entidade que foi levada à beira do precipício pelo chantagista, que agora lhe diz: «Agarra lá a corda podre que te oferecemos, porque te queremos salvar!».
É uma vergonha para o Estado português que um governo, em seu nome, faça uma «proposta» desconhecendo toda a história recente, dos últimos 15 anos, da Região Demarcada do Douro e da Casa do Douro, rasgando compromissos e declarações solenes de primeiros-ministros, ministros e Deputados desta casa.
O Ministro da Agricultura e o Governo PS fazem por esquecer que a degradação financeira da Casa do Douro decorre das imposições de alterações legislativas e institucionais da Região Demarcada do Douro, produzidas desde 1995, com expropriação de competências e atribuições da instituição, sem que, simultaneamente, lhe fossem dadas as indemnizações correspondentes às perdas de receitas; prejuízos reconhecidos pelos sucessivos governos, autores dessas mudanças, tais como a venda de aguardente vínica, fim da intervenção reguladora no mercado dos vinhos, gestão do cadastro, etc.; indemnizações compensatórias que foram objecto de estudo mandado fazer pelo ministro Pina Moura, de um governo PS/António Guterres (nas negociações de 1997), estudo esse que chegou ao valor de 11,5 milhões de contos, ou seja, 57,5 milhões de euros!
O Governo esquece o que foi protocolado sobre o cadastro, com a obrigatoriedade de um pagamento anual de 850 000 €, em 2005, pela sua utilização pelo IVDP (Instituto do Vinho do Douro e do Porto), e agora propôs 100 000 €/ano, na primeira proposta, e 200 000 €/ano, na segunda, durante cinco anos, tentando assim «legalizar» o roubo do cadastro efectuado pelo anterior ministro da Agricultura, a «preços de saldo»… Tal como oferece «preços de saldo» pelos vinhos da Casa do Douro, quando admite vendê-los por valor inferior à dívida, sem procurar um valor de equilíbrio, seja por via da actualização do valor do penhor seja pelo valor de seguro dos próprios vinhos. Nós sabemos todos quem deve estar a esfregar as mãos…
Mas a proposta do Governo é também, Srs. Deputados, uma afronta a esta Assembleia da República.
Explico: o Governo desconhece, ou faz por ignorar, o conteúdo e o sentido de quatro resoluções aprovadas por esta Assembleia, em 23 de Julho de 2009. Há um ano! Transcrevo a que foi proposta pelo Grupo Parlamentar do PS, recomendando ao Governo que «solicite à Casa do Douro uma proposta de saneamento financeiro global e um plano de reestruturação organizacional, ajustado às competências definidas na legislação actual. Nesse contexto, estude e operacionalize as soluções adequadas à revitalização da instituição que permitam a prossecução das funções estatutárias que lhe estão atribuídas, bem como das funções associativas das organizações de produtores».
O Governo fez aquela solicitação à Casa do Douro? Não! Tenta impor-lhe um ultimato!
A proposta do Governo propõe «a prossecução das funções estatutárias que lhe são atribuídas»? Não! O Governo procura consolidar soluções que, como no cadastro, pretendem retirar-lhe funções!
A proposta é para a revitalização da Casa do Douro? Não! A proposta é para a desvitalização da Casa do Douro.
Será que a resolução então proposta aconteceu porque estávamos em vésperas de eleições legislativas, Srs. Deputados?
Talvez, pois à sorrelfa o então ministro da Agricultura deu mais uma golpada, fazendo publicar, em pleno Verão, o Decreto-Lei n.º 173/2009, aprovando um Estatuto das Denominações de Origem e Indicações Geográficas da Região Demarcada do Douro, onde procura «transferir» o cadastro para o IVDP, sem falar de cadastro.
É assim que a proposta do Governo «esquece» o quadro legislativo existente para a Região Demarcada do Douro. E esquece igualmente o conjunto de protocolos que governos do PS e governos do PSD/CDS-PP, entre 1995 e 2005, negociaram com a Casa do Douro, com a participação de outros intervenientes, como o IVDP e a AEVP (Associação dos Exportadores de Vinho do Porto) e que, solenemente, assinaram, em nome do Estado português — e que saibamos nenhum governo denunciou esses protocolos.
Não é possível, Srs. Deputados, desligar os graves problemas que atingem os pequenos vitivinicultores da Região da situação da Casa do Douro, situação que é da responsabilidade de sucessivos governos e de que passo a dar exemplos:
— Os problemas de preços extremamente degradados, quer dos vinhos de pasto quer dos vinhos generosos, que não pagam os custos da vindima e são agravados por sucessivas reduções do volume de benefício;
— A confusão instalada e não esclarecida para dezenas de projectos VITIS, sujeitos a exigências do Ministério do Ambiente, que nem sequer os serviços do Ministério da Agricultura conhecem;
— A decisão de não accionarem os mecanismos de indemnizações aos vitivinicultores da Região vítimas de fortes intempéries, tratando-os de forma desigual aos de outras regiões;
— Por último, decorrem também da mesma situação da Casa do Douro, que se arrasta há anos, os dramáticos problemas dos seus trabalhadores!
Assim, pergunto: é possível pedir um «sobressalto» democrático ao Governo e à maioria que o suporta, em nome do Estado de direito, do Estado pessoa de bem, que dizem ser ou dever ser atributos do Estado português?
O Grupo Parlamentar do PCP continuará a tudo fazer para que, contra ventos e marés, a Casa dos 40 000 pequenos vitivinicultores, a Casa do Douro, resista. E resista tal como resistiu até hoje.
A Região Demarcada do Douro, Património da Humanidade, precisa daquela Casa, forte, viva e ao serviço do Douro e dos durienses!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Hélder Amaral,
Agradeço-lhe as questões que colocou.
Começo exactamente por responder à questão final, dizendo-lhe que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português e o PCP, na sua intervenção regional e nacional, estão particularmente à-vontade para falar da gestão da Casa do Douro.
Há muito que criticamos a gestão da Casa do Douro. Não são militantes do PCP que têm estado à frente da Casa do Douro — têm sido militantes do CDS, do PSD e do próprio PS. O Dr. Mesquita Montes, que eu saiba, era do CDS-PP, e julgo que ainda é!
Se ainda não o expulsaram, ainda é!
Ele foi presidente da Casa do Douro durante muitos anos.
Portanto, estamos particularmente à vontade para abordar o problema da gestão da Casa do Douro, Sr. Deputado Hélder Amaral!
Mas eu quero dizer-lhe que o principal erro de gestão da Casa do Douro, o principal erro dos dirigentes ao longo destes anos não tem sido o papel importante que têm desempenhado, mesmo estando do outro lado das nossas posições político-ideológicas, não tem sido o problema do seu posicionamento, mas, sim, não terem sido capazes de mobilizar até hoje os 40 000 pequenos vitivinicultores da Região Demarcada do Douro, gravemente prejudicados por este processo ao longo destes anos e que continuam a ser prejudicados, sem que os dirigentes da Casa do Douro os mobilizem para, por exemplo, reclamarem junto do Governo e da Assembleia da República os seus direitos, para que não lhes roubem o que foi construído ao longo de séculos com seu trabalho e suor.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Paulo Barradas,
Agradeço as questões que colocou, mas devo dizer-lhe que, em matéria de conhecimento da história do processo, o senhor conhece pouco.
Ouvi, pela enésima vez nesta Casa, da parte de Deputados do Partido Socialista, a desculpa do enquadramento comunitário. Deve ter sido esse problema do enquadramento comunitário que levou os Deputados do Partido Socialista, entre os quais o ilustre Ministro da Presidência deste Governo, Pedro Silva Pereira, durante os anos de 2003 e 2004, quando eram da oposição, a declarar que as decisões tomadas pelo governo de então significavam a morte da Casa do Douro.
O Sr. Deputado está de acordo com aquilo que o actual Sr. Ministro disse, nessa altura, no sentido de que a decisão tomada, de retirar à Casa do Douro a intervenção, em última instância, no mercado de regulação dos vinhos, significava a morte da Casa do Douro? E outros Deputados da vossa bancada repetiram esta afirmação! Os senhores não tiram nenhuma conclusão disto?
O Sr. Deputado falou de dívidas ao Estado e ao sector financeiro e até falou em determinados valores. Gostava que os senhores nos informassem sobre isso, porque passei uma legislatura inteira, de quase cinco anos, a solicitar ao então Ministro e ao então Governo um balanço dessas dívidas, sem que, até hoje, o tenha conseguido obter.
Em matéria de dívidas, gostaria de saber se os senhores desconhecem o estudo que referi, mandado fazer pelo Ministro Pina Moura — Ministro socialista de um Governo socialista —, no sentido de que o Estado devia à Casa do Douro indemnizações compensatórias no valor de 55 milhões de euros. Os senhores desconhecem isto, nesse balanço?
Os senhores dizem que estão a elaborar uma proposta. O Sr. Deputado considera natural que, em relação ao cadastro duriense, um património histórico daquela Casa e de toda a região demarcada, cuja utilização foi negociada, acordada e protocolada com o Governo e com o Estado português pelo valor de 850 000 euros por ano, enquanto fosse utilizado, e apareça agora um Governo a propor 100 000 euros durante 5 anos?! O Governo propõe-se pagar menos, em 5 anos, do que se propunha pagar num só ano, de acordo com aquele protocolo! Os senhores entendem que isto é uma negociação aceitável?!
O que os senhores estão a fazer não é uma proposta negocial para o Douro, o que os senhores estão a tentar fazer, Sr. Deputado Paulo Barradas, é a assinar a sentença de morte da Casa do Douro e de milhares de pequenos vitivinicultores durienses.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Rita Calvário,
Antes de mais, agradeço as questões que colocou.
Certamente, numa região onde há 40 000 pequenos vitivinicultores — a grande maioria ou quase totalidade não chega a ter parcelas com 1 ha de dimensão —, a existência de uma casa como a Casa do Douro, representativa, com força, é fundamental para resistir à concorrência e, particularmente, àquilo que aconteceu, durante anos, levado a cabo pelas casas exportadoras de Gaia.
É sabido que, do valor acrescentado criado no Douro, 80% vai para Gaia, para essas casas exportadoras — uma parte delas ligada, hoje, ao grande capital multinacional —, e cerca de 20% fica na Região Demarcada do Douro.
Portanto, a Casa do Douro é, certamente, uma instituição absolutamente decisiva para defender os pequenos vitivinicultores.
E não é por acaso que estas ofensivas têm, há tantos anos, por detrás de si, a Associação das Empresas de Vinho do Porto, porque são eles os que estão interessados. Aliás, aquilo que o Governo propõe para os vinhos que pertencem à Casa do Douro, a venda que propõe é, inevitavelmente, um grande «frete» às casas exportadoras, porque só elas podem estar interessadas na venda, a baixo preço, de um volume tão grande de vinho e de vinhos de alta qualidade como aqueles que a Casa do Douro possui.
Gostaria de acrescentar algo que, há pouco, não referi ao CDS.
Penso que a importância da Casa do Douro reúne o consenso do conjunto das forças político-partidárias, mesmo das que suportam o Governo que a está a destruir e, por isso, podemos dizer que, na actual correlação de forças nesta Assembleia da República, esta ofensiva do Governo para liquidar a Casa do Douro só irá para a frente se os grupos parlamentares da oposição o permitirem. Entendo que não o devemos permitir e, neste debate, é este o meu apelo final.

de http://www.pcp.pt/pela-defesa-da-casa-do-douro-contra-sua-liquida%C3%A7%C3%A3o

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